Em 19 de fevereiro de 2023, o pastor norte-americano David Eldridge ministrou no congresso da União das Mocidades das Assembleias de Deus de Brasília (Umadeb). Em seu sermão, Eldridge afirmou que “todo homossexual, lésbica, transgênero, bissexual, drag queen e prostituta tem uma reserva no inferno”.
A pregação, gravada em vídeo, foi publicada no Youtube e instantaneamente despertou a reação da comunidade LGBTQIAPN+, que entrou com ação civil pública contra a instituição religiosa alegando que o pastor e a denominação incitaram a violência e desrespeitaram a dignidade da comunidade, pedindo a imediata retirada do vídeo de todas as redes sociais e uma indenização de R$ 5 milhões por danos morais coletivos, que seriam destinados à estruturação de centros de cidadania ou a entidades de acolhimento LGBTIA+.
A juíza Lívia Lourenço Gonçalves, da 4ª Vara Cível de Taguatinga, deu sentença favorável ao pedido da Aliança Nacional LGBTI+ e da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas e mandou remover o sermão das redes sociais. Inconformada, a Umadeb recorreu da decisão judicial e a 22ª Vara Cível de Brasília acatou o recurso, publicando neste mês de agosto uma sentença que revoga a determinação da juíza.
Ao reconhecer explicitamente que “a afirmação de que pessoas não heterossexuais e transgêneros possuem ‘uma reserva no inferno’, constitui exercício legítimo do proselitismo religioso”, a nova decisão judicial configura-se como uma importante vitória para todas as igrejas e lideranças protestantes, que neste caso viram assegurado o seu direito de expressão nos templos e púlpitos.
Sentença bem embasada
Em sua decisão, o juiz afirma que “a pregação do pastor estadunidense baseia-se em uma interpretação da Bíblia de que todas as pessoas irão para o Céu/Paraíso ou para o Inferno” e acrescenta que a condenação também se refere a vários comportamentos que a Bíblia considera pecaminosos, como fraude, imoralidade etc.
A sentença favorável à Umadeb baseou-se em normas constitucionais e internacionais, bem como em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que definem critérios específicos para identificar os crimes que se enquadrariam nesses casos, e cita os requisitos que configuram o discurso de ódio: 1) a constatação da desigualdade entre as pessoas/grupos, 2) a hierarquização entre grupos, sendo um considerado bom/ superior e outro mau/inferior; e 3) defesa do dever de escravizar, explorar ou, em casos extremos, eliminar o grupo tido por inferior.
Na avaliação do juiz, o pastor não promoveu a conversão forçada, extermínio ou retirada de direitos da comunidade supostamente ofendida, não se enquadrando, portanto, como discurso de ódio. Ao contrário: na visão do juiz, a fala do pastor tem o objetivo de ajudar as pessoas de sua comunidade de fé a alcançar a salvação pelo arrependimento de atos que a Bíblia condena.
Por fim, o magistrado reforça que o proselitismo constitui o núcleo essencial da liberdade de expressão religiosa, e que “o seu afastamento, no caso concreto, acarretaria o sacrifício completo do referido direito fundamental”.
O Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) e a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (Unigrejas) publicaram nota conjunta celebrando o resultado do julgamento e destacando que ele preserva a liberdade religiosa no país. Leia a nota clicando aqui.
Fonte: Comunhão
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